O Brasil é um país ingrato. É isso mesmo que você leu. Veja bem: quando tínhamos um Império, preferimos ser iguais aos Estados Unidos, e não chegamos nem perto disso. Quando tivemos bons políticos, como Assis Brasil, Raul Pilla, Franco Montoro, Teotônio Vilela, Alceu Amoroso Lima, Gaspar Silveira Martins, entre outros, os calamos, ou permitimos que os calassem. Quando tivemos um sistema eleitoral majoritário, regionalizado e distrital - que estava a sair do berço imperial - nós o rejeitamos e impusemos um sistema proporcional decadente, no qual a pessoa do candidato, aquele que é representante do povo, é menos valorizado que sua legenda, e, sucessivamente, os candidatos mais preparados e que querem praticar o bem comum são ofuscados por aqueles que tem farta exposição na mídia.
O sistema eleitoral brasileiro está chegando ao ápice de sua óbvia e prevista decadência, já percebida por muitos e, por isso, alguns parlamentares de grande transito no Congresso Nacional inventaram o que eles chamam de "reforma política": um projeto que permite que as campanhas sejam pagas com verba privada. Será que nossos problemas acabaram? Claro que não! Trata-se de mais uma fachada. Um projeto enfeitado e travestido para engolirmos uma reforma política que não é uma reforma política de verdade, mas uma mísera mudança no sistema eleitoral para permitir que os partidos continuem a empurrar o corporativismo, ou quem faz voto, para dentro do Congresso Nacional e assim fortifiquem suas bancadas para serem capazes de exigirem cada vez mais cargos do Executivo. E não estou exagerando, a realidade política brasileira atual é, de fato, uma Caixa de Pandora, somente para quem tem estômago.
Reformas políticas se fazem modificando as instituições, as estruturas constitucionais e políticas que fazem com que o Estado, a instituição maior, seja aperfeiçoada conforme a atualidade assim o demande. Já boas instituições podem durar e funcionar por séculos, vez que as crises jamais serão grandes o bastante para elas, e um exemplo disso é a Inglaterra, que continua firme e forte com um sistema de monarquia parlamentarista semelhante ao que o Brasil possuía na época do Império, o que Max Weber poderia explicar pela legitimidade que há nas tradições políticas em face de uma nação. Tradição essa que perdemos para uma história que foi ofuscada pelo historicismo marxista, o qual fui formado na época em que estava no Colégio, e que certamente seus filhos também estão o sendo.
Voltando ao sistema eleitoral, o caráter do voto mudou desde a República de Vargas. Antes, o voto era ligado principalmente numa liderança partidária, isso em nível nacional - como ocorria com o PTB de Vargas - mas também em nível regional - como ocorreu com a refundação do Partido Libertador, por Assis Brasil e Raul Pilla, que sucessivamente derrubaram o ditador e presidente do Rio Grande do Sul, Sr. Júlio de Castilhos. Já neste momento, o voto é resultado de uma admiração e de uma identificação do eleitor com o seu candidato, havendo um fenômeno de personificação do voto, acima do partido do candidato, e isso por um lado é bom, uma vez que se trata de uma ligação entre cidadão e representante. Ademais, o voto de hoje tem um caráter completamente distrital, ou seja, os verdadeiros representantes saem de uma região só, o que também é muito bom.
Com estes dados, façamos a análise: se tudo é bom, por que estamos elegendo este tipo de gente, sem instrução e preparo, para exercer uma função tão nobre? Porque o sistema é de caráter personalista, mas, por decisão do STF, o verdadeiro dono do mandato é o partido, e porque o sistema é de caráter distrital, mas o voto não é distrital, é aberto em face de todo o Estado-membro.
É por essas falhas institucionais que passamos a alimentar maquinas eleitorais capazes de fazerem votos em um estado inteiro, isso quando não nos rendemos a votar em celebridades sem qualquer contribuição ao bem comum, mas cheias de exposição na mídia, como Romário e Tiririca.
Ademais a estes problemas, aos quais a instituição política não está pronta a preencher a demanda de representação social do cidadão, o problema da verdadeira função do Legislativo foi deturpada com a escolha do sistema de governo presidencialista - mais uma vez, uma pedra no sapato de nossa história - isso porque a Constituição Federal de 1988 possui traços parlamentaristas, que previam que a função de governo ficaria com o Legislativo, e não com o Executivo, que possui agora a de governo e a de Estado, incompatíveis entre si para o verdadeiro exercício do bem comum.
Por isso, pergunto a você leitor, em relação à "reforma política" colocada em tramitação no Congresso Nacional: é reparando arestas e escondendo a poeira debaixo do tapete que se resolvem problemas político-institucionais? Ou é modificando e atualizando este sistema pela raiz, a fim de que ele seja promotor do bem comum e não do bem partidário?